A cidade do Natal é conhecida como detentora do pior transporte público do Brasil, com ônibus que sempre rodam lotados, com horários indefinidos, paradas em situação crítica e frota reduzida, estas são as principais reclamações de quem depende do transporte público para se locomover em Natal. A capital vive uma crise no sistema de transporte público, que se agravou ao longo da pandemia da covid-19, com retirada de linhas, mudança de itinerários e sucessivos adiamentos na publicação da licitação do serviço.
De acordo com a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU/Natal), o número de usuários do transporte público gira em torno de 190 mil pessoas por dia, que utilizam os 396 ônibus da frota total, distribuídos em 54 linhas.
A quantidade de ônibus urbanos circulando pela capital hoje é 31,3% menor em relação ao ano de 2019 e o número de linhas também foi reduzido em 32,5%. Em 2019, Natal contava com uma frota de 577 ônibus e 80 linhas. Com menos ônibus e menos linhas, trabalhadores, estudantes e usuários eventuais do serviço relatam que estão esperando cada vez mais para pegar 1 transporte ruim, surjo, velho e sempre estão cheios. A rotina também foi alterada, agora há quem acorda mais cedo porque teve as opções de condução reduzidas ou quem passou a pegar quatro ônibus para ir e voltar do trabalho.
O sistema de transporte coletivo da capital têm impacto direto na vida da população. São enormes os prejuízos socioeconômicos e psicológicos para os cidadãos. Em alguns casos, trajetos que eram feitos em uma única viagem passaram a necessitar duas passagens, o que dobrou o gasto com o transporte público.
A estudante do 9° ano de Medicina Veterinária, Rosa Maria, cita que são muitos os problemas que afetam o usuário de transporte público e com a redução dos ônibus em circulação, não somente diminuíram as unidades de transporte nas ruas como os empresários tiram de circulação os ônibus mais cedo. "O 33A por exemplo, para de circular às 14:30 e retorna apenas às 18:40, dificultando a vida do cidadão e, isso sem falar que temos que sair de casa mais cedo, muitos saem ainda no escuro para poder chegar ao trabalho ou nas universidades, pois se perder o que passa naquele horário, tem que ter muita fé para que passe outro no período de uma hora em média", disse a estudante.
“Muitas vezes temos que pegar mais de um ônibus para chegar ao destino, assim, elevam-se os nossos custos com transporte, que já vão impactar o rendimento e salários dos assalariados, dos autônomos, de estudantes, da população como todo e aí faz com que o poder de compra seja reduzido porque vai ter um comprometimento maior com os custos de transportes. Tem as questões associadas a redução da frota, quantidade de linhas disponíveis, mudanças de itinerários e nós somos infelizmente reféns”, comenta.
Vanderlúcia Melo concorda. Ela é membro do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas e vive na Ocupação Valdete Guerra, no bairro Planalto. “As passagens de ônibus já estão difíceis de pagar. Imagine a R$ 5,35 como querem aumentar. Um absurdo. Quando avisaram que ia ter ato, a gente veio”, disse ela acompanhada do grupo que luta também por moradia digna e recentemente foi alvo de ações de despejo promovidas pela Prefeitura.
Victórias Melo está no último período da graduação de Gestão Hospitalar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e utiliza quatro ônibus todos os dias. A rotina começa às 4h30 da manhã com o primeiro ônibus para a Ribeira, onde trabalha em uma clínica. Depois, ela segue para universidade, para só então voltar para casa à noite. “Eu poderia pegar apenas dois ônibus, mas o 33B é uma lenda, nunca passava, depois tiraram e agora piorou tudo”, conta.
Victórias é moradora do bairro Planalto, na zona Oeste natalense, que recentemente teve a linha 33B (Planalto/Lagoa Seca) descontinuada pelas empresas por questões de rentabilidade. “É um descaso com todos nós que precisamos do transporte público todos os dias. É um desrespeito com o trabalhador, com o estudante, com todo mundo. Como se não bastasse a qualidade do serviço, STTU e empresários retiram linhas diminuem ônibus. A gente que tem o ônibus como único transporte sofre muito porque eles demoram a passar e quando passam já estão superlotados”, desabafa.
O mineiro Paulo Bonifácio, de 58 anos, que mora no Rio Grande do Norte há 37 anos, afirma que usou transporte público a vida inteira e que a crise do serviço é histórica. “Só foi piorando ao longo do tempo, os ônibus foram envelhecendo e não foram trocados, não há linhas suficientes, os ônibus são sujos, velhos e o serviço é muito ruim. Moro no Planalto e está complicado pegar ônibus lá no bairro. Não vemos mobilização do poder público para amenizar isso, os empresários também não fazem muita coisa. O que tenho visto é uma Câmara dos Vereadores conivente com essa situação, não temos perspectivas de melhora”, relata Bonifácio que trabalha Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Norte.
Bonifácio critica ainda a qualidade do serviço para quem não utiliza regularmente o transporte coletivo. “Andei de ônibus a vida toda e isso deveria ser o normal, o transporte público era para oferecer qualidade para que esse fosse o meio de locomoção do rico e do pobre. Tenho filhas que moram na Europa que confirmam isso, todos utilizam o serviço. Aqui em Natal, por exemplo, você não pode sair à noite. O trabalhador sofre na hora de ir e voltar do trabalho e não pode utilizar o ônibus para um lazer, por exemplo, simplesmente porque não existe ônibus à noite nem nos fins de semana”, diz o administrador.
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