“Paz para suportar, fé para superar, perfeito sacrifício, nada é impossível (…) Oh, oh, oh, oh, oh (…) Vai arrebentar.” Martelada exaustivamente em cultos da Igreja Universal do Reino de Deus por todo o estado do Rio de Janeiro, a música entoada pelo bispo-cantor Marcelo Crivella, sempre acompanhada de animada coreografia, virou uma espécie de jingle da tentativa do ex-senador e ex-prefeito carioca de voltar à política. Crivella, que deixou a prefeitura em dezembro de 2020 em desgraça, na patética condição de suspeito de corrupção em prisão preventiva (um mandado cumprido nove dias antes do término do mandato), está em franca campanha para um cargo público nas eleições deste ano.
Em uma única semana de abril, o bispo levou sua “caravana” — como descreve o périplo político-religioso nas redes sociais — a quatro municípios do interior, uma favela e um bairro da capital. Nesses cultos com cara de comício, repete a pregação de frases ambíguas, adequadas a ambos os propósitos, como “É nessa fé que a gente vence”. O uso da máquina neopentecostal também fica evidente em suas pregações diárias na Record, TV ligada à igreja, onde bate ponto desde dezembro. A interlocutores, Crivella não esconde que preferiria disputar um cargo majoritário — o governo do estado ou o Senado —, mas está ciente de que seu partido, o Republicanos, tem outras intenções. “Pode botar aí: ele vem como deputado federal”, afirma Luís Carlos Gomes, presidente regional da sigla.
Ex-ministro da Pesca e Aquicultura do governo Dilma Rousseff e cabo eleitoral da petista entre os evangélicos, Crivella virou casaca e se agarrou ao presidente Jair Bolsonaro em 2020, em uma tentativa de reverter a altíssima rejeição a sua gestão na prefeitura, que chegou a 78%, e se reeleger. A videira bolsonarista não frutificou e o bispo perdeu a eleição para Eduardo Paes, por 64% a 36% dos votos válidos. Mas ele permaneceu fiel e, na votação deste ano, deve despontar como fiador de peso da candidatura do presidente junto a evangélicos do estado do Rio — berço político do clã Bolsonaro e um dos pilares de seu projeto de reeleição. A aliança é vista como um ganha-ganha. “Ao mesmo tempo que ela reforça a aproximação de Bolsonaro com a igreja, rende pontos a Crivella entre todos os eleitores conservadores, inclusive os de fora da Universal”, aponta o cientista político Ricardo Ismael, da PUC, para quem o ex-prefeito, escorraçado em 2020, agora “tem chances até de ser o deputado mais votado do Rio”.
Crivella encerrou o mandato na prefeitura sob suspeita de comandar um QG de propinas pagas por empresas em troca da quitação de dívidas e facilitação de contratos públicos. Passou uma noite na cadeia e quase dois meses em prisão domiciliar e responde em liberdade ao processo, que corre na Justiça Eleitoral. No meio-tempo, uma dívida política de Bolsonaro com a Universal fez com que fosse indicado embaixador do Brasil na África do Sul, mas o governo de Pretória não respondeu — o que, na diplomacia, é sinônimo de negativa — e a constrangedora nomeação acabou retirada. Mesmo com tudo isso, e mais a herança de uma administração deplorável, dentro do Republicanos não só a eleição de Crivella neste ano é dada como certa, como o bispo (título que recuperou ao sair da prefeitura) é considerado o principal puxador de votos do partido no Rio, que conta com ele para fazer até seis deputados federais. O argumento dos caciques é que corrupção não costuma arranhar as chances de candidatos ao Legislativo que contem com uma base sólida. “E Crivella não tem eleitores, tem discípulos”, afirma um correligionário.
Em nome da redenção eleitoral, o bispo, além da distribuição de santinhos (de propaganda) com seu autógrafo, da cantoria e dos gritos de fé, adotou neste ano uma dancinha que já virou marca registrada: ele e os obreiros saltitam e mexem os braços enquanto as mulheres movimentam a perna, uma de cada vez, na diagonal. Todos os dias, no programa Cidade Alerta Rio — da Record, evidentemente —, Crivella anuncia os próximos cultos-comícios e profere palavras de fé direcionadas aos evangélicos e também aos “irmãos” católicos e espíritas. Nas redes sociais, conta ainda com um bispo-propaganda de grande influência, o tio Edir Macedo, líder da Igreja Universal, que repete com fé: “Vai arrebentar”. Se o estouro o impulsionará na direção desejada, só outubro dirá.
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