O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB) está de volta à política. Não à política eleitoral, para a qual retornará depois de 2022. Mas para os bastidores, de onde articula a eleição da sua filha Danielle para a Câmara.
Conhecido pela sua capacidade de analisar o cenário político com precisão, Cunha, que está com 62 anos, faz uma previsão para as eleições de 2022: a onda da novidade acabou. É a hora da “velha” política.
“A política vai preponderar. Os alijados do processo eleitoral em 2018 por essas razões, essa antipolítica, voltarão. Será uma eleição mais semelhante a 2014 que 2018″, afirmou.
Cunha diz não acreditar na possibilidade de haver uma 3ª via eleitoral: “Eu diria que a eleição tem um quadro definido: Bolsonaro e Lula. Não vai se alterar”.
Sobre a CPI da Covid, afirma que as sessões são “palanque político” e os envolvidos, “animadores de cemitério”. Algoz do PT, hoje acredita que Jair Bolsonaro tem chance de vitória no ano que vem.
Em momentos distintos da entrevista, Cunha defendeu tanto o atual presidente quanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sobre o 1º, diz que não é “negacionista‘’ e que os erros na pandemia foram frutos do desconhecimento.
Já sobre Lula, afirma que o petista foi preso injustamente. Situação que alega também ter ele próprio enfrentado.
O seu retorno à vida política se dá por meio do livro “Tchau, querida: o diário do impeachment”, no qual relata conversas com ex-presidentes da República e o processo que resultou na cassação do mandato de Dilma Rousseff, em 2016. Editado pela Matrix, o livro será lançado em Brasília na próxima quarta (9), em noite de autógrafos no shopping Pátio Brasil.
Cunha presidiu a Câmara por 1 ano e meio no período de 2015 a 2016. Foi investigado pela Lava Jato e afastado do mandato de deputado pelo STF, em maio de 2016. Em setembro daquele ano, foi cassado pelos seus colegas na Câmara. Em outubro, por determinação do então juiz Sergio Moro, foi preso e levado para uma cela na região metropolitana de Curitiba. Em março de 2017, foi condenado a 15 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Nunca fez delação premiada e continuou a se defender das acusações em Instâncias superiores da Justiça.
Em março de 2020, sua prisão preventiva foi transformada em prisão domiciliar por causa da pandemia de coronavírus. Cunha obteve o benefício por causa da idade (estava com 61 anos e havia sido submetido a uma cirurgia), o que o colocava entre pessoas vulneráveis à covid.
Em 28 de abril de 2021, a prisão de Cunha foi revogada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ele está neste momento livre, sem tornozeleira eletrônica e responde em liberdade a vários processos.
Eduardo Cunha será articulista do Poder360 a partir desta segunda (7). Escreverá quinzenalmente. Diz que pretende analisar o presente e compará-lo ao passado para situar o leitor historicamente.
Leia a seguir trechos da entrevista:
Poder360 – Ao revogar sua prisão, o juiz Ney Bello mencionou o tempo prolongado da sua prisão cautelar. Houve injustiça?
Eduardo Cunha – A justiça, na verdade, foi mais que injusta. Ela foi perversa. Houve falta de justiça. Fui preso por um juiz suspeito, parcial. Eu tenho uma reclamação no STF. Nela eu mostro que o Moro descumpriu decisão da Corte em uma acusação contra mim. E decretou a minha prisão preventiva. Foram erros sequenciais.
Os resultados da Lava Jato são mais positivos ou negativos?
A Lava Jato causou um grande mal ao nosso país. O combate à corrupção não pode se dar ao arrepio da lei. O processo penal não pode ser utilizado para fazer política. Eu sou e continuarei sendo adversário do PT. Mas eu quero que o Lula dispute a eleição. Queria que ele disputasse em 2018, para que a população pudesse julgar os governos do PT e chegar à conclusão que o melhor para o Brasil é não ter o PT. Isso eu entendo que é a política que tem que ser feita. Não essa em que eu tenho de tirar o Lula da eleição usando situações absurdas, fraudadas, para poder ganhar com gol de mão.
Hoje Lula lidera a maior parte das pesquisas. Ele tem potencial de vencer Bolsonaro?
Ele é um candidato forte, sem dúvida alguma. Eu diria que a eleição tem um quadro definido: Bolsonaro e Lula. Não vai se alterar. Você sempre teve, desde 89, a polarização. Ela nunca deixou de existir. Em 2018, Bolsonaro tomou o lugar de anti PT do PSDB. Hoje, ninguém tira do Bolsonaro o antipetismo. Vai vencer quem prevalecer sobre o antipetismo ou o antibolsonarismo. Hoje, ⅓ é PT, ⅓ é anti-PT e ⅓ é branco, nulo e outros. Lula está numa posição melhor porque saiu um peso da reputação dele. Lula foi preso injustamente, assim como eu. E ele passou a ter a graça da vítima. Mas a minha pergunta é a seguinte: quem vai ser a chefe da Casa Civil se Lula ganhar? A Dilma? Isso é uma coisa que vai ser debatida na campanha. Você vai mostrar o que fez Bolsonaro: privatizações, reforma da Previdência. Não fez mais porque metade do governo está debaixo da pandemia. E ainda assim, a redução do PIB na pandemia é igual à redução do PIB no 1º ano do 2º mandato de Dilma. Quando esse debate começar, dificilmente Lula vai ficar com essa dianteira.
Como a pandemia pode influenciar nessa comparação?
Ela pode influenciar muito. Nós não sabemos o tamanho dessa pandemia. O negacionismo atribuído a Bolsonaro não é negacionismo. É desconhecimento. Nós não sabemos se a vacinação vai ser a solução. Tomara que seja, mas não sabemos quantas variações o vírus pode ter. Será que as vacinas previnem o que está acontecendo na Índia agora, ou o que aconteceu no Amazonas? E aí como isso vai ter consequência na eleição? Depende do que acontecer. Eu entendo que não dá para culpar ninguém e vejo com muita preocupação a utilização política que muitos tentam fazer. O Doria tentou fazer da vacina uma bandeira, mas não conseguiu entregar. É a economia: oferta e procura. A procura está maior que a oferta. Não está havendo problema político, mas sim econômico. E pode normalizar, como normalizou a falta de respiradores, equipamentos para proteção individual. O problema é que temos o mundo para vacinar e não tem a produção de vacinas suficiente. Não sabemos ainda qual é o real tamanho e o tempo dessa pandemia. Quem garante a você que não vamos estar discutindo a mesma situação durante o período eleitoral do ano que vem?
Ninguém imaginava que a 2ª onda viria com a força que veio…
O pior é que estamos esperando a 3ª, que certamente vai vir e, pelo que todo mundo fala, será pior ainda. Quanto tempo vai durar? Depois vai vir a 4ª? Ninguém sabe. Estamos diante do desconhecido. Essa pandemia é o problema do século.
A CPI da covid foca bastante no negacionismo de Bolsonaro, que o senhor chama de desconhecimento. Como avalia o trabalho da CPI?
Pega um exemplo, a grande crise nos Estados Unidos de 2008. O Lula disse que não era um tsunami, mas uma marolinha. Não tem muita diferença entre “tsunami”, “marolinha” e “gripezinha”. Aquela crise era muito grave e não uma marolinha. O que é o papel do governante? Tentar mostrar à sociedade que a vida vai voltar ao normal. Claro que você tem que orientar, mostrar riscos. O que a CPI está tentando fazer é mais um ato, um gesto político de campanha eleitoral antecipada do que discutir razões ou falhas que o governo possa ter cometido, e que certamente os cometeu. Errou porque não sabia como enfrentar o desconhecido. No meio daquela confusão, você tem 50 problemas para resolver, de repente acertou 49 e errou 1, e esse causou mais problemas. Isso é uma coisa que só o tempo vai apurar. Mas nesse momento é palanque político. Não está fazendo bem, não vai fazer bem ao combate à pandemia essa politização por alguns que tentam recuperar ou fazer a sua imagem à mercê do desgaste de um processo. São animadores de cemitério. Na prática, ali nós estamos com alguns animadores de cemitério. Quando você coloca lá na frente o número de mortes cada dia em uma plaquinha, aquele é um efeito político para poder pegar a imagem de televisão. Eu acho que a CPI, do jeito que está, atende mais a um objetivo eleitoral.
Qual a diferença das eleições do ano que vem para as de 2018?
Vou contar uma história que tem muito a ver. O comércio no interior, quando troca o dono, coloca-se uma placa: “Sob nova direção”. Uma vez, o comércio foi trocado, só que o comprador deu atendimento ruim. Aí o antigo dono recomprou. E botou uma plaquinha: “sob velha direção”. Ou seja, retornamos para aquilo que achavam ruim, e acabou sendo mudado. Eu acho que a eleição de 2022 vai ser “sob velha direção”. Até porque não tem um novo. O próprio Bolsonaro, que naquele momento foi novo, hoje já não é. É velho. Não tem novo que vai preponderar nessa eleição. Todos são iguais e igualmente velhos. Tanto Bolsonaro quanto o PT. Não vai acontecer de aparecer um governador maluco, como no meu estado. A política vai preponderar. Os alijados do processo eleitoral em 2018 por essas razões, essa antipolítica, voltarão. Será uma eleição mais semelhante a 2014 que 2018. O processo decisório da população vai ser: o governo Bolsonaro é melhor que o governo do PT? Ou o governo do PT, na opinião deles, foi melhor que o Bolsonaro? É isso que vai decidir. Não terá “nova política”. Esse “nova direção” e “velha direção” tem muito mais a ver. Estamos voltando à velha política.
Há chances para um candidato da 3ª via?
Se você pegar determinadas estradas no Brasil, tem pontos que você tem pista dupla ou pista única. Mas em determinadas subidas, tem uma 2ª pista em um dos lados. Nesse momento tem 2 carros subindo para um lado, e 1 descendo. No outro, inverte. Essa é a 3ª via. É a pista que tá colocando no meio dos 2. Quer dizer o seguinte: não existe. Ela vai para um dos 2 lados de acordo com o momento da estrada. Não há 3ª via. O que vai acontecer é que no momento que tiver a subida do lado direito, essa 3ª via vai acompanhar a direita. No outro momento, a esquerda.
Qual o cenário para os partidos em 2022?
É exatamente o mesmo processo. Esses que se elegeram no discurso da nova política, ou eles têm propostas, ou não vão conseguir se manter. Não vão se eleger.
Na próxima 2ª o senhor começa a escrever uma para o Poder360. O que podemos esperar?
Minha coluna será publicada quinzenalmente às 2ª feiras. Eu pretendo fazer análise pura e simples dos fatos políticos. Não o fato cotidiano. Para isso vocês já fazem muito bem no noticiário. O que pretendo fazer é análise conjuntural que incorpore os fatos na análise. E principalmente buscando o traço histórico daquilo que aconteceu para você comparar e se situar nesse momento. Eu faço muito isso no livro sobre o impeachment, “Tchau, Querida”, em parceria com minha filha Danielle. Esse contexto histórico abordado no livro talvez seja o ponto que eu pretendo fazer nesses artigos no Poder. Para tentar me situar atemporalmente, mas ao mesmo tempo temporalmente pela presença atual dos fatos pretéritos comparados com os existentes de hoje. Esse é o objetivo. Posso até eventualmente fazer uma análise cotidiana, mas o principal objetivo é análise política macro em função dessa visão que eu tenho.
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