Em março de 2020, Paulo Guedes culpou Mandetta por falta de vacinas. Tema deve se consolidar como principal problema de Bolsonaro na CPI
No longo depoimento que concedeu à CPI da Covid-19, iniciado pela manhã desta terça-feira (4), o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta falou também do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ao responder a uma questão da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que quis saber sobre declaração de Guedes, em março do ano passado, quando transferiu a culpa pelo atraso das vacinas a Mandetta. Segundo o chefe da Economia, nos primeiros dias da pandemia oficialmente reconhecida no Brasil, o ex-ministro da Saúde “saiu com R$ 5 bilhões no bolso”. Guedes acrescentou então: “É desde aquela época que deveríamos estar comprando vacina, não é mesmo? O dinheiro estava lá”.
“Esse ministro Guedes, da Economia, é um desonesto intelectualmente, uma coisa pequena, um homem pequeno para estar onde está”, respondeu Mandetta. “Ele falou: ‘saiu com 5 bi e não comprou vacina’. Esse ministro não soube nem olhar o calendário. Só posso lamentar”, acrescentou.
No início da pandemia no Brasil, março de 2020, ainda não havia no mundo vacina disponível contra a covid-19. Quando os imunizantes começaram a aparecer, o país do presidente Jair Bolsonaro recusou 11 ofertas deles. A primeira negativa a uma vacina foi a uma proposta do Instituto Butantan datada de julho de 2020. Mandetta foi demitido em abril.
O “líder” do Brasil ainda negou outra proposta da instituição paulista em agosto. No mesmo mês, rejeitou oferta da Pfizer pela qual o país poderia ter garantido 70 milhões de doses da vacina norte-americana. A questão das vacinas deve se consolidar como um dos principais – se não o maior – problema de Bolsonaro na CPI da Covid. As informações são fartas. Em outubro do ano passado, o chefe do governo garantiu que o Brasil não compraria doses da CoronaVac. “Tudo será esclarecido hoje. Tenha certeza, não compraremos vacina chinesa”, disse o presidente no Twitter, ao desautorizar anúncio do então ministro Eduardo Pazuello, que havia informado a governadores a compra 46 milhões de doses do imunizante.
Pfizer teria vacinado 35 milhões
Na ocasião em que Bolsonaro recusou a CoronaVac, governadores, lideranças políticas e especialistas em saúde se revoltaram com a decisão. “A CPI vai se aprofundar (sobre o tema) por que o Brasil não comprou a vacina da Pfizer”, prometeu o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). Ele afirmou também que a comissão não vai “acabar em pizza”. “Se a Pfizer tivesse fornecido 70 milhões de vacinas, teríamos vacinado 35 milhões de pessoas.” Nesta quarta (5), a CPI ouve o também ex-ministro da Saúde Nelson Teich. Esperado também amanhã, Eduardo Pazuello, que antecedeu o atual, Marcelo Queiroga, informou que não irá à comissão poirque teve contato com contaminados pelo vírus. Mas, segundo a colunista Malu Gaspar, na verdade “Pazuello estava muito tenso e preocupado com a possibilidade de ser preso logo após depor”. Seu depoimento foi remarcado para dia 19.
“Com todos os procedimentos, máscara, isolamento social, informe publicitário, campanha, o presidente usando máscara, dando exemplo, visitando hospitais, reconhecendo a dor das famílias, teríamos diminuído a escassez de oxigênio, falta de leitos, medicamentos e kits educação para salvar vidas?”, quis saber de Mandetta a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
“A segunda onda que estamos passando é o ápice desse tipo de decisão tóxica, equivocada”, respondeu o ex-ministro da Saúde. Ele citou o personagem Zé Gotinha como um instrumento de educação, assim como “promoção em saúde” por campanhas com ídolos do futebol, por exemplo, para “unir” o país. “Teríamos tido uma segunda onda muito menor.” Para ele, “vacinando acima de 60 anos com duas doses, já teríamos quebrado o colapso do sistema hospitalar.”
O mundo virtual de Bolsonaro
Sobre o “governo paralelo” exercido por pessoas como os filhos do presidente, fato também mencionado na primeira parte do depoimento, o ex-ministro acrescentou que essas pessoas é “que preparam as lives, quase como se eles fossem o mundo virtual”. “O presidente e muita gente acha que a vida é aquele mundo virtual, se pauta por quantos likes, enquanto o vírus e a doença estão no mundo real”, acrescentou Mandetta.
Segundo ele, Bolsonaro, em reuniões de governo, “dava a impressão de entender” a necessidade de adotar protocolos científicos. “Mas depois de dois, três dias, voltava a situação de aglomerar. Depois de ter visto ele negar uso de máscaras, negar higiene das mãos, a compra de vacinas, a testagem, uma série de negações, como cidadão, 410 mil vidas me separam o presidente até o dia de hoje.”
Osmar Terra, espalhador de fake news
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) destacou “previsões” do ex-ministro da Cidadania, deputado e “conselheiro” de Bolsonaro Osmar Terra (MDB-RS), segundo as quais haveria menos mortes por covid no país do que pelo H1N1, que teriam sido, segundo ele, duas pessoas por dia no Brasil em 2019. Terra é um dos maiores propagadores de fake news entre os aliados do presidente, além de radical negacionista. Em dezembro do ano passado, chegou a dizer que a Organização Mundial da Saúde “é controlada pela esquerda ideológica ” e que “jogou o mundo na confusão e no pânico”.
Carvalho reafirmou o que disse à RBA há duas semanas: “estamos diante não de um negacionismo que representa uma ação culposa, mas uma tese dolosa que prevaleceu desde o início, a tese de que era preciso deixar as pessoas expostas. Foi feito de forma intencional”, disse na CPI da Covid hoje. Ele lembrou episódios grotescos, como Bolsonaro “sair passando a mão no nariz e cumprimentando as pessoas”. Também citou seu veto à lei que tornava obrigatório o uso de máscaras em locais públicos.
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